Há quem diga que “em boca fechada não entra mosca” ou “às vezes é melhor ficar quieto e deixar que pensem que você é um idiota do que abrir a boca e não deixar nenhuma dúvida”. Porém, alguns eventos são dignos de explanação, mesmo que, a priori, sejam interpretados como maledicentes, aos olhos de quem não estava presente no momento em que ocorreram. Mas...
Mário limpava seus óculos. Esther, imersa em seus trabalhos manuais, até então, mal notara a presença do marido na sala. A noite seguia fria, tranquila, sem maiores preocupações. Já tinham colocado em dia a conversa habitual, sem novos eventos, pra variar, e ausentes de quaisquer rebuscamentos e aprofundamentos em questões que, aos olhos de muitos, mereceriam maior saliência. Reunidos na sala há mais de uma hora sem interromper o silêncio que abrasava o ambiente:
- Mário, não lhe incomoda esse marasmo? – proferiu Esther.
Assustando-se com aquela voz estridente em meio à tranquilidade, respondeu o marido em tom irritadiço:
- Bem... Até onde minha parca sabedoria me permite compreender, o silêncio só incomoda àqueles que não têm o sossego necessário para contemplar o que há de mais belo na calmaria, que é a possibilidade de reflexão e de abertura de portas para enxergarmos o que realmente necessita ser percebido: nós, IN-DI-VI-DU-AL-MEN-TE.
- Ah! Falta de assunto agora virou sinônimo de reflexão... Desculpa para tudo se encontra, meu caro! Vejo que nem de amigo posso chamá-lo mais.
- Às vezes, querida, o silêncio é o melhor amigo de quem busca vasculhar seu sótão para organizá-lo. Além do mais, você reclama de falta de assunto mas não traz nada de novo para contar, além de achaques da vida alheia ou as máximas da última novela da Globo! Como queres que eu embarque nas viagens que somente a ti aprazem?
- Arrogância agora tem outro nome, Mário?
Depois dessa, foi-se Esther fazer o que fazem todas as pessoas em situações calamitosas: dormir no lugar mais quente da casa.
A ausência de individualidade, discussões, reflexões, trocas de experiências afetou seus modos de ser e enxergar o mundo e a vida. Descontrair, celebrar a juventude de seus espíritos, na galante companhia de um tanto de bebida e cigarro, não era mais cunho aprazível daquela relação.
Porém, “trezentos” anos de vida a dois só pode ser mesmo rico e prazeroso se a união tiver sido firmada entre seres que, acima de tudo, apreciem e necessitem estar sós para rever e descobrir novos mundos e, então, compartilhá-los com outros mundos.
Para tanto, há apenas uma moral: que unamo-nos, pois, a alguém com quem, antes de mais nada, apreciemos conversar, visto que, ao findar-se a magia da juventude, restarão ainda algumas grandes preciosidades: lembranças e uma boa companhia para permanecer ao lado até o fim de nossos dias, seriedade com a qual deve ser encarado um casamento.
Feliz ou infelizmente, é o que no momento compreende
Isa Resende