Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
(Caetano)

domingo, 25 de abril de 2010

Mistura Fina

1 punhado de vazio,
1 bocado de insatisfação,
1 tanto de sufocamento,
1 pedaço de coração aflito.

Uma dose de melancolia,
outra, de isolamento;
1 pouco de carência,
resultante do desalento
provocado pela ausência
de motivos para contentamento.

1 resquício de amargura,
embaralhada com ansiedade,
permutada em desatino
confundido com pirraça.

1 caminhão de desejos,
outro de virtualidade,
outro de imbecilidade,
com mais um de individualidade,
não da Sadia,
mas da bem barata,
egoísta e ordinária.

Despeje tudo em uma carcaça:
descartável,
sarada,
bronzeada,
assexuada,
sem pelos (isso é muito importante),
com
1 olho de vidro,
1 ouvido meio surdo
e uma boca maldita.

Para enfeitar o cocuruto:
1 cérebro eletrônico
e fios de cabelos bem lisos, coloridos.

Por fim:
para azeitar as veias, sangue azul ou de barata.

Isso tudo em sinergia,
após congelado na mais baixa temperatura,
resulta no que chamamos, hoje,
Moderna Criatura:
fina mistura para uma vida de gastura!

Isabela Resende

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Eterno desejo de você (A Marquesa de Sade)

Cola, fixa, gruda,
aperta, arrebata, embrenha-se,
coleta meu suor com a pele;
rasga meu indumento com a boca...

Vamos,
voraz,
candente,
faz-me tua completamente!

Chega,
rodeia-me,
deixa em mim teu perfume!

Fale-me,
baixinho,
bem aqui no ouvidinho,
qualquer palavra com tua voz rouca...

Acaricia-me com tuas mãos fortes;
Afague-me, como só você sabe!

Vamos, pegue-me,
sou tua,
e abro.

Ande,
acerte o alvo como quiser...
Desde que o tenha em mim
profundo,
no lugar mais ardente,
pulsante
e úmido,
sempre será de excelente tamanho!

Pois...

Só quero você aqui,
em mim,
incomparavelmente
dentro de mim.
E NÃO abro.
Isabela Resende

Esses olhares...

Seus olhos espiam os meus e os cantam,
encantando-os com brilho arrebatador.
Porém, que mistério é esse que domina seus olhares,
que ora afasta, ora puxa;
ora repugna, ora repuxa;
ora reprime, ora adula os meus?
Se os olhos são espelhos da alma,
então por que não consigo enxergar a tua?
Se pensar e saber são menos importantes que olhar,
então por que tento penetrar fundo em sua mente?
Será pelo fato de não conseguir enxergar tua alma?
Será porque não me sinto capaz de decifrar teu olhar?
Será que me preocupo demais com o que não é tão relevante?
Será que perdeste, ou perdermos, a capacidade de (nos) amar?
Ah, incerteza inquietante!
Dissipe-se logo. Vá embora!
Não adianta!
Sinto punhaladas fatais com suas manias de olhar:
ora duras, ora maduras;
ora sensíveis, ora incompassíveis;
ora satisfeitas, ora indescritivelmente infelizes....
Quero aquele olhar que me colocava nua.
Ambiciono aquele tal olhar que me enfrentava sem desvios.
Apetece-me aquele olhar que me protegia, abrigava do frio, do medo...
Essas mudanças mudaram tudo!
Então, o que resta agora?
Apostar na incerteza de um amanhã mais feliz
e arriscar, assim, minha juventude?
Não sei.
Só sei que, contudo, careço padecer nesse olhar,
que me tira a razão, levando-me à submissão completa
e à mais pura falta de pudor para lutar por ele.
O que improvisar, então?
Orar?
Esperar?
Lutar para o tempo passar bem rápido e a resposta, enfim, chegar?
Não suporto mais orar, esperar, lutar para o tempo passar...
Pois orações sem fé, nada adiantam;
esperanças ansiosas não surtem efeito;
e o tempo... Ah! Esse não se pode reger.
Então, o que fazer?
Apostar em quê?
Na paciência de sofrer?
No nascer e renascer de cada dia?
Em um insight?
Ajude esse coração aflito!

Isabela Resende

sábado, 17 de abril de 2010

Palavras, simplesmente... Palavras!

Amo as palavras!
Com elas, posso brincar de ser quem eu quiser,
quando quiser
e como puder.

Brado palavras;
elas podem ser minhas, sim!

Com as palavras, posso me fazer
amar e ser amada,
desejar e ser desejada,
respeitar e ser respeitada...
Nua e tua (ou não).

Idolatro as palavras!
Elas são armas raiadas,
acordes primários necessários a qualquer melodia.

Canto as palavras,
e elas me encantam!

Rogo às palavras,
por serem tão majestosas!

Respiro palavras,
e elas me elevam!

Respeito as palavras,
pois são autoridades camufladas em remédio.

Solto palavras, pois
se utilizá-las bem,
posso plantar sonhos,
desejos de mudança.

Oro com palavras, pois Deus está nelas
e gosta de presenciar a utilidade de seu invento
nos diversos eventos da vida.

Sopro palavras, pois
acredito na força do vento
para (e)levá-las aos corações dos aflitos.

Acredito em palavras, sim.
Acredito.
Acredito.

Isabela Resende

Procurando abrigo

De bar em bar,
um sujeito para,
pira e vai...

De trago em trago,
de vento em popa,
procurando asilo.

E sai...

De boca em boca,
obstinando aquilo que...

Em todas as tocas,
(diferentes da sua)
parece cheio.

Mas...

De tanto em tanto,
encontra o medo que...

Em todas as tocas,
(diferentes da sua)
Não se mostra fixo.

E cai...

De papo em papo,
pouco a pouco.

E...

De soco em soco,
encontra um leito que...

De peito aberto,
diz estar cheio
de...

Vazio.

Então, compreende que
não está sozinho.

Sorri, portanto,
louco, louco,
cheio de...

Nada.
Isabela Resende

Não passo de uma “sofista de merda”, pois:

Nem sempre sinto a profundidade de um poema como experimento a dor;
Nem sempre a amargura do outro é a minha própria;
Sou covarde, vaidosa, 
tive medo de ficar só,
do que poderiam pensar de mim,
de não me aceitarem como sou,
de não ser feliz sozinha...

Tenho desejos, busco prazeres;
Não acredito tanto mais no amor,
mas ainda gosto de ler e escrever sobre ele,
a dor, a nostalgia...

Já me achei diferente por ter uma voz;
usei roupas estranhas para me sentir parte do grupo;
achei-me esperta por ter feito curso "superior"...

Almejo conquistar bens materiais,
aprender a dirigir, estudar o que ainda não consegui...

Por essas e outras, realmente não dá para crer que eu sinta
pena dos doentes, esfomeados, favelados,
desabrigados, prisioneiros, refugiados...

De fato, não é possível crer na minha dor humana,
no meu diálogo superficial,
em minha retórica aborrecível...
em meu pensamento “além”...

Mas uma certeza me conforta:
somos iguais na desventura,
na imperfeição, na desumanização,
naquilo que se arreda de nós,
inclusive urina, fezes, suor, orgasmo...

Isabela Resende

O muro que há entre nós

Sem dúvida, há um agigantado muro entre nós.
Tumultuosa
imponente
estremecida
borbulhosa
comovida
muralha entre nós.

Incalculável divisória há muito tempo invencível,
incansável obstáculo instransponível,
certamente, indomável, irredutível...
Indubitavelmente irremovível.

Há como vencer:
o invencível,
o inabalável,
o intocável,
o incrível,
a não ser crendo que é possível?!?

Esperanças se vão
baldadas,
improfícuas...

Desatinado, então, ponderar
que o tempo deitará abaixo
um legado de longas estações de
dores
amores
horrores
calores
temores
cores
tremores
louvores...

Que muro é este, meu Deus,
que lá está
tumultuoso
estremecido
borbulhoso
comovido...
mas...
resistente entre nós?!?

Amargura sem fim...
Concreta
acimentada
petrificada
agonizante
consternação em mim.
Inquebrantável argamassa,
resistente armadura,
potente mureta 
que outrora fora sonho de candura!

Isabela Resende

A beleza da tristeza

A tristeza também é boa, minha gente, pois pode nos fazer parir escritos! Brincadeiras de palavras que podemos não saber se são boas, mas são nossas! Quase sempre aprecio estar só, pois, assim, fica mais simples dar à luz um pouco de mim, uma dosagem de um mundo que fervilha, querendo rebentar, mas é covarde, pois tem medo de errar, não agradar, compreendem?!? É claro que compreendem!

Louvo, portanto, mais do que nunca, a plenitude da tristeza, que deu aos poetas a chance de traduzir muito do indizível, de musicar a solidão, o amor perdido, a saudade, o vazio... Salve o cárcere privado da maldizente tristeza! Esse reduto dúbio, posto que é tenso e apascentado, quente e frio, ao mesmo tempo, e propício a indescritíveis meditações!

Isabela Resende


Ser Inteligente – considerações subjetivas

O que se entende atualmente por inteligência está muito longe de ser comparado ao que realmente significa ser inteligente. O ser verdadeiramente inteligente é capaz de compreender, conceituar, conjeturar sobre o significado dos múltiplos eventos que acontecem ao seu redor, e a inteligência é o aparelho mental necessário para alcançar o conceito e as entrelinhas do que se pretende conhecer.

Atualmente, quando me deparo com alguns indivíduos que foram agraciados pela oportunidade de conhecer um pouco mais que a maioria, ao invés de descobrir sujeitos realmente dotados de inteligência e respeitá-los por isso, percebo seres imersos em um casulo de tanta arrogância que às vezes me pergunto: para que se instruíram tanto? Com qual(is) objetivo(s) resolveram buscar tanto “conhecimento”? Com qual(is) finalidade(s) mergulharam nos livros, a não ser pela oportunidade de se tornarem melhores, mais humanos, conscientes, conhecedores de si mesmos, do outro, da história, dos valores que deveriam possuir (ou resgatar), do modelo de sociedade doente que presenciamos hoje...?

Ao invés de ser um privilégio estar diante de tais pessoas, tendo em vista que a alienação se tornou a imperatriz da modernidade, mesmo com a facilidade que possuímos hoje para nos isentar da imbecilidade, este contato tem sido pernicioso em alguns momentos, pois noto, cada vez mais claramente, que a exclusiva intenção de muitos é apenas alcançar um status em um universo inacessível à maioria.

O conhecimento, poderoso instrumento para humanizar pessoas e promover mudanças significativas em múltiplos sentidos, tornou-se o principal responsável por instaurar na elite intelectual uma intrigante dificuldade de socialização, que culmina no desrespeito ao próximo - principalmente àquele que não teve as mesmas oportunidades de alcançar semelhante grau de saber. Portanto, na confusão a respeito desse ser ou não ser, pergunto-me: isto é ser inteligente? É ignorando ou abatendo o outro por não saber as mesmas coisas que eu que estarei colaborando para alargar seu interesse pela obtenção de conhecimento? Será que desse modo não estarei intimidando meu próximo a dar o primeiro passo em direção à instrução, à leitura? Este é o caminho mais eficaz para mudar o status quo? É mesmo verdade que um indivíduo que não teve a oportunidade de frequentar um ambiente letrado ou de ler todos os clássicos da literatura universal não tem cacife para acrescentar NADA de bom à minha vida e, por isso, deve ser expurgado do mundo?

A intensa disputa de ego nesse meio douto (onde, contraditoriamente, não há somente pelegos) muito me intriga, pois parece que o único intuito de seus membros é se encharcar de "conhecimento" apenas para ter a erudição notada quando estiver diante de uma platéia (mesa de bar quase sempre é um bom lugar).

O conhecimento não pode mais continuar sendo um precipício capaz de distanciar os universos que somos, pois acredito ser uma arma poderosíssima capaz de promover mudanças extremamente necessárias, tanto interna como externamente. Então, por que não colocá-la a serviço do mundo, com o intuito de uni-lo, e não fragmentá-lo ainda mais?

Não estou defendendo a idéia de que todo indivíduo que possui um grau mais elevado de instrução deva estar em uma sala de aula partilhando o que sabe, pois, para isso, é necessário muito mais: vocação, amor e coerência entre o que se diz e o que se faz. Mas que sejam aproveitadas as oportunidades de compartilhar esses saberes para que não se percam com a morte do corpo.

A meu ver, todo indivíduo que realmente aprendeu alguma coisa deveria empreender esforços para se tornar melhor, mais sábio, pois quem realmente almeja estar plenamente consciente de qualquer coisa geralmente percebe que sua jornada tende a se tornar cada vez mais árdua quando continua a caminhar neste sentido. Aquele que realmente tem olhos para ver e ouvidos para ouvir de fato nota que um conhecimento puxa outro e, desse modo, chega à conclusão de que nada sabe, como já dizia, há tempos antes de Cristo, o sábio Sócrates ao afirmar que sua sabedoria era limitada à sua própria ignorância.

A instrução deveria ser encarada como um processo natural, e sua continuidade como algo relativo, dependente das condições de cada indivíduo. Não cabem julgamentos ou indagações indiscretas ao outro a respeito dos motivos que deram origem a suas lacunas intelectuais: antes de julgar, o ser instruído e verdadeiramente inteligente deveria sondar o universo alheio de maneira cordata, para tentar ser útil e, então, mover-se de maneira adequada para disseminar o que sabe, porém, é claro, respeitando as diversas formas de pensar. Do contrário, não vejo sentido algum em saber tanto sobre tantas coisas se a finalidade única é esgotar o conhecimento em si mesmo.

Desculpem-me, por favor, os verdadeiros seres inteligentes e conhecedores.

Isabela Resende

Tapa no passado

Que todas as dúvidas se dissipem...
Que todo o rancor se transforme em mais e mais Amor...
Que toda a angústia causada pela dor, pelas dúvidas e pelo rancor
se transmute e personifique em leveza, beleza, certeza...

Certeza de que dentro de nós baterá para sempre um só coração...
Certeza que para todos os erros já houve perdão sincero...
Certeza que os mesmos deslizes não serão novamente colocados à prova...

Assim, caminharemos juntos,
inseparáveis,
para cada vez mais longe daqui,
do ontem,
da intolerância,
da incerteza...

Que nossos dias sejam ainda mais felizes
a partir daqui,
do ontem,
da intolerância,
da incerteza...
sem a presença das máscaras que outrora feriaram a nossa integridade...

Que o hoje nos torne, ainda mais,
um,
comigo,
consigo,
conosco,
com Deus
e em Paz!

Isabela Resende