Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
(Caetano)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Graduação de uma alma


Um não-sei-quem,
Um não-sei-como,
Um escuro sem amanhecer,
Com deslizes um ser assombra.

Fantasmagoria entorpecida
Estranho gnomo
Fardo malicioso
Precioso pomo.

Do altíssimo infinito
Reluziu esse espectro
E, em ermos jardins,
Frutificou desertos.

Sombra e luz ocasionais
Gemidos distantes por demais,
Assombro inebriante,
Fumaça cinzenta, inquietante,
Passageiro errante,
Divino império decadente...

Transeunte do infinito,
Ser proscrito,
Enviado de mundo desconhecido,
Passé!
Tudo passa, terror bandido.

Insepulto estivera
Inumado estás agora
Vá adiante, vulto segredado.

Seja o que for,
Parta levemente.
Ao teu sofrer sagazmente esquecido
Faça brotar reluzente brilho,
Pois no paiol de tua esperança
Já não mais há para ti asilo.

Coragem, cavaleiro sombrio!
Que o vento o arranque para qualquer recinto
Onde nenhum ser maldito
Possa achá-lo escondido.

Se assim for,
Os sonhos que gozou ou gozará,
Sem bendizer ou amaldiçoar,
Os lusco-fuscos os farão presentes.

Arremesse-se macio, doce, breve.
Voe em paz,
simples, honesta, sinceramente!

Com beijos de luz,

Isa Resende

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Piedade


A leveza se escondeu,
o temor não esmoreceu.
Descubro, pois, que não sou
o que penso em mim existir.
Amordaça o peito um sentir
que enlaça o olvido e o porvir.

O que antes jazia perverso,
faz-se sinistramente saudoso.
Em que no amanhã aposto?
Na sorte, no fim, espero.

O sorrir não se faz brilhante.
O sentir tampouco é instigante.
O cantar, ora perfeito, angustiante,
origina um clamor latente, abrasante.

Aposto em meus versos nefastos,
agonizantes vozes que curam,
palavras enfadadas, tédio,
mas com fim postulado em remédio.

Gritar ao mundo o que penso;
acalmar vozes que repenso;
bradar dores que consomem;
conter em mim este leme...

Ensurdece, pois, um canto
que opta por não ser livre.
Emudece a voz de um poeta
que não mais voa, reprime-se.

Aquela fé, aquele torpor,
Aquele afã, aquela flor...
Resquícios de si, nata fina,
tormento, fremir, langor,
dissimulados na menina...

Ai de mim, Senhor!
Desfalecer,
não saborear essa dor...
O morrer em meu existir
assenta-se, por fim, um fervor!

Piedade, Senhor!
Piedade, Domina Dor!
Piedade, Mata Dor!
Piedade, Cria Dor!

Sabe Dor, piedade!
Por Amor, piedade!
Com ardor, piedade!
Sem pudor, piedade!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Doar-se com fim



Tudo o que sem limites se doa tende a se tornar, um dia, por demais, banal. Doar-se, portanto, com fim, parcimônia, em alguns momentos, não causa moléstia alguma, somente benfeitorias; não significa ser puramente egoísta, mas estar municiado de um poderoso elixir capaz de preservar a beleza e a pureza de alguns sentimentos e eventos que fazem parte da vida.

terça-feira, 8 de junho de 2010

O condutor de almas


Novamente ele chegou aprumado, cheiroso e envaidecido com o público que o admirava e, mais uma vez, adorava como se fosse o verdadeiro Todo Poderoso aqui na Terra, acalentando almas sedentas de conforto. Abençoou seu rebanho, pregou bonito, impôs moral e advertiu sobre pecados que, em tempo algum, deveriam ser cometidos por suas ovelhas desgarradas. Era sábado à noite, fim do dia em que, segundo a Gênese, todo o processo de criação fora finalizado.

Esse condutor de almas era um sujeito popular, devido a seus feitos dentro de sua comunidade: salvara muitas almas e orgulhava-se disso, o que, em princípio, não merecia questionamentos. Porém, para ele, se sua missão de colaborar com a melhoria do mundo estava sendo devidamente cumprida, para todos os seus erros haveria sempre perdão.

Bem... Discordar disso poderia ocasionar o início de uma looooonga conversa, tendo em vista a batelada de energia a ser desprendida para vencer um debate com alguém que, acima de tudo, estava preparado para bem exercer seu poder de persuasão, além de ser um desrespeito à autoridade que aquela altiva figura representava.

Mas ele aproveitou o fim da noite de sábado de modo um tanto irreverente (porém, bastante costumeiro para si) aos olhos daqueles que acreditavam em sua estreita ligação com a religião e o sagrado. Embriagou-se e partiu ao encontro da presa certa para despejar seu gozo. No entanto, respeitando seus princípios, antes de iniciar a obra, pronunciou a olímpica receita para a volúpia e seus anexos:

- Em tempo algum, devemos iniciar nosso ato sem, antes, lavar com um litro de água corrente, misturado com vinagre e sal grosso, nossas partes reservadas e, somente após tal higiene, você deverá abrir tuas benditas pernas para esperar meu membro enrijecido penetrar-te. Não encoste-me teu peito e esteja orando para que teu óvulo NÃO esteja sadio quando encontrar meu jorro. Em seguida, oraremos juntos, suplicando perdão a Deus por este prazer proibido. Como penitência, açoitar-nos-emos com esta vara de bambu.

- Já que iremos pedir perdão a Deus ao final, e certamente Ele irá nos perdoar, por que não fazermos tudo isso render bem mais?

- Você tem razão. Poderíamos começar bambu então?

sábado, 5 de junho de 2010


Ar gélido,
pensamentos indigestos,
baixa pulsação...

Cigarro aceso,
café preto.

Tela em negro,
papel em branco,
ansiedade inquietante,
solidão cortante,
amigos por perto...

Amor indefinido,
talento malacafento,
obrigações pendentes
e o maior dos pesos:
os afazeres.

Cigarro aceso,
café frio.

Chuva chorosa,
voz do vizinho,
vista tenebrosa,
rumores ensandecidos...

Choro contido,
deveres descumpridos,
norte vencido...

Cigarro aceso,
café negríssimo.

Prenúncio de domingo,
exaustão já embutida
por pensar que logo, logo
recomeça mais uma lida.

Ordem na cachola,
minha querida!
Não há tempo pra demora!
Jaz bem-vindos os quase trinta
e ainda encontra-se decaída?

Arriba!
Não se espera despedida.
Dispa-se, nesse instante,
de toda e qualquer ferida.
O tempo urge...
Não espera teu sinal de partida!

Decida-se agora,
ou aguarde outra vida!

Um trago de mim


Insignificante alma cadenciada em festim e melancolia.
Saborosa disritmia tresloucada em calor e agonia.
Altiva vitória do olvido, deslembrando o esquecido.
Brutal, ensandecido, eterno ser em conflito.
E o que sou foi construído por um tempo enegrecido,
Lapidado por clamores escondidos, brilhos ofuscados, lamentos reprimidos.
Ave de rapina e beija-flor, mel e toxina, meretriz e bailarina da menina


que chora e baila dentro da menina.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Os sussurros que lanço



Nada mais me prende,
pavor algum me surpreende.
Desejo tudo e nada, sincronicamente.
Cobiço ser presa e pássaro errante,
contradição (in)constante;
ser em conflito,
tão certeiramente (in)definido!

O sono é inquietante.
A amargura, uma constante.
Lapsos de exaustão,
tédio angustiante.

Não sei que destino merece
isto ou aquilo de meus versos.
Apenas sei que, no escuro,
meu espírito embebe
as entrelinhas que teço,
os sussurros que lanço,
bradares intrínsecos
à minha própria vontade.

Se um dia não puder mais pintar versos,
de nada passarei a coisa alguma.
Almas em mim emudecerão
e mais um caminhante serei,
em busca de migalhas
para fartar um coração
que não almejará mais que pão
para alcançar a razão
de tantos ruídos
e ranger de dentes.

O bradar de Racha Muda


Atontada em suas fissuras,
pois coitada foste sempre,
Racha Muda refletia
sobre suas excitações,
decidindo expor ao mundo
umas poucas profanações:

as finas flores mirraram,
e espinhos, pois, restaram...
Será a estação enregelada?
Serão os verões adoecidos?

A todo momento é fato:
crenças se desmistificam.
Tudo o que mordaz se sente,
vazio, por demais, transcende...
É culpa da estação embrutecida?
É dolo da infância adormecida?

Caminhos se acasalaram...
Já não há mais livre arbítrio...
Será a frigidez da estação?
Crivos reprimindo o coração?

Amor, por caridade!
Atenção, por amizade!
Carinho, por necessidade!
A mão, por solidariedade!

Somos irmãos, afinal?
Somos comparsas, por sinal?
Oh, universo animal!
Para que tantos rodeios
se um simples aconchego
faz-se muito para um leito
que possui uma rija história
e unicamente um pleito:
seu peito,
onde me deito e,
suavemente...
adormeço.

Ao raiar de todos os dias,
imposta em mim sempre deleito
com tão sublime enleio
de um parcimonioso coito
atravancado pela ausência de...

Tempo!

Amor, por caridade!
Atenção, por amizade!
Carinho, por necessidade!
A mão, por solidariedade!
E não somente seio...
greta...
embocadura...

Essa afável contextura
não talha fina moldura.
É forçoso um algo mais
para apregoar tal cercadura:

Amor, por caridade!
Atenção, por amizade!
Carinho, por necessidade!
A mão, por solidariedade!
E não somente picadura.