Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
(Caetano)

sábado, 3 de maio de 2014

Alguém que se aventura, na velhice, a escrever suas memórias


Aventuro-me na tarefa de buscar memórias para guardar. Não que eu tenha pretensão de que sirvam como inspiração ou exemplos a serem seguidos, mas por gostar de histórias e da história em si; por enxergar que a vida não é apenas uma questão de viver, mas de nascer e renascer, diversas vezes, ao longo dela, numa constante tessitura. É nesse balançar de cabeça que tudo vai se esclarecendo e encaixando, ganhando forma e mais vida pelo tom de poesia acrescentado à intensidade dos sentimentos que moram nas recordações. Nesse embalo, os episódios compõem uma narrativa perfeita, com direto a catarses, cores, formas e trilhas sonoras.

Na velhice, mais do que em qualquer época de nossa caminhada pessoal, somos caçadores de lembranças de estações que estejam longe da proximidade do fim. É a fase do check-up, que sonda como foi a existência e o que fizemos dela. Há, sim, beleza na idade, mas há também fragilidade, pelo pesar de não haver ao menos o mesmo tempo para gozar de tudo novamente, com a mesma, ou ainda maior, amplitude.

Encontro-me mais ou menos como Manoel de Barros diz: “meio dementado e enxada às costas, cavando, no meu quintal, vestígios do que fui”. E deparo-me com um homem repleto de experiências desbotadas pelo tempo, mas profundamente realizado na memória e no coração. Descubro o riso onde não cabia; embargo o choro da saudade; deixo que as palavras deslizem pelas frases que remeterão às fases da minha trajetória, numa viagem intensa e cheia emoções para uma alma ansiosa por permanecer, ainda por muito tempo, em um corpo.

Durante o tempo de recolhimento para escrever minhas memórias, pude me certificar, de fato, que só é possível enxergar beleza nas etapas da vida à medida que vamos envelhecendo, e que a temporada mais bela de todas é, sem dúvida, a infância, por ser o início de tudo e o momento em que soltar a alma não é uma decisão e, sim, uma questão de ser, natural e simplesmente, assim.

Certa vez, li, em algum lugar, a seguinte passagem:

"Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome dado, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que acabaram”.

Vivi intensamente esta bela fase. Fui uma criança bem resolvida e cuidada; brinquei muito; aprontei bastante; fiz grandes amizades; fui feliz; tive atenção e carinho. Recordo-me da infância com muito respeito e zelo. Mas foi preciso crescer.