Aventuro-me na tarefa
de buscar memórias para guardar. Não que eu tenha pretensão de que sirvam como
inspiração ou exemplos a serem seguidos, mas por gostar de histórias e da história em si; por
enxergar que a vida não é apenas uma questão de viver, mas de nascer e
renascer, diversas vezes, ao longo dela, numa constante tessitura. É nesse
balançar de cabeça que tudo vai se esclarecendo e encaixando, ganhando forma e
mais vida pelo tom de poesia acrescentado à intensidade dos sentimentos que moram
nas recordações. Nesse embalo, os episódios compõem uma narrativa perfeita, com
direto a catarses, cores, formas e trilhas sonoras.
Na velhice, mais do que
em qualquer época de nossa caminhada pessoal, somos caçadores de lembranças de
estações que estejam longe da proximidade do fim. É a fase do check-up, que
sonda como foi a existência e o que fizemos dela. Há, sim, beleza na idade, mas
há também fragilidade, pelo pesar de não haver ao menos o mesmo tempo para gozar
de tudo novamente, com a mesma, ou ainda maior, amplitude.
Encontro-me mais ou
menos como Manoel de Barros diz: “meio dementado e enxada às costas, cavando,
no meu quintal, vestígios do que fui”. E deparo-me com um homem repleto de
experiências desbotadas pelo tempo, mas profundamente realizado na memória e no
coração. Descubro o riso onde não cabia; embargo o choro da saudade; deixo que as
palavras deslizem pelas frases que remeterão às fases da minha trajetória, numa
viagem intensa e cheia emoções para uma alma ansiosa por permanecer, ainda por
muito tempo, em um corpo.
Durante o tempo de
recolhimento para escrever minhas memórias, pude me certificar, de fato, que só
é possível enxergar beleza nas etapas da vida à medida que vamos envelhecendo,
e que a temporada mais bela de todas é, sem dúvida, a infância, por ser o
início de tudo e o momento em que soltar a alma não é uma decisão e, sim, uma
questão de ser, natural e simplesmente, assim.
Vivi intensamente esta bela fase. Fui uma criança bem resolvida e cuidada; brinquei muito; aprontei bastante; fiz grandes amizades; fui feliz; tive atenção e carinho. Recordo-me da infância com muito respeito e zelo. Mas foi preciso crescer.
Certa vez, li, em algum
lugar, a seguinte passagem:
"Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome dado, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que acabaram”.
"Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome dado, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que acabaram”.
Vivi intensamente esta bela fase. Fui uma criança bem resolvida e cuidada; brinquei muito; aprontei bastante; fiz grandes amizades; fui feliz; tive atenção e carinho. Recordo-me da infância com muito respeito e zelo. Mas foi preciso crescer.